quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Propaganda de Serra contra Dilma induz o eleitor ao erro

Posted: 20 Oct 2010 08:26 AM PDT


Este não é nenhum email apócrifo. Faz parte da campanha oficial de José Serra contra Dilma Rousseff. A primeira vez que eu assisti foi durante os intervalos do debate eleitoral da REDETV no domingo. É uma propaganda feita clara e especificamente para induzir o eleitor ao erro.
O comercial traz uma série de reportagens do jornal gaúcho Zero Hora sobre o que os tucanos afirmam ser a “catástrofe de Dilma” a frente da Secretaria de Finanças do município de Porto Alegre em 1988. As imagens mostram em seqüência uma série de jornais antigos, enquanto o narrador fala da suposta incompetência da candidata do PT em gerir os recursos financeiros na época. Há duas insinuações claras: corrupção e incompetência.
Veja o polêmico comercial aqui.

Não dá para entender a falta de dinheiro em caixa na capital gaúcha sem compreender o contexto sócio-econômico da época:
Dilma e a Prefeitura de Porto Alegre
As eleições municipais foram as primeiras que aconteceram após a redemocratização do país. Os prefeitos eleitos cumpriram um mandato de apenas 3 anos para que o calendário eleitoral pudesse ser acertado como é nos dias de hoje.
Dilma Rousseff era filiada ao PDT e apoiou Alceu Collares, o primeiro prefeito negro de Porto Alegre. Grande parte do programa de governo de Collares foi redigida na casa de Dilma.
De acordo com a pesquisadora Nara Magalhães, autora do livro O Povo Sabe Votar – Uma Visão Antropológica, havia em 1985 uma grande identificação popular com Alceu Collares. Os eleitores viam no pedetista alguém de origem simples e sem muito dinheiro, um igual (link).
Quando Collares assume a prefeitura no ano seguinte, Dilma torna-se a primeira mulher secretária das finanças do município de Porto Alegre. Dilma saiu do cargo em setembro de 1988 para se dedicar à campanha de Carlos Araújo, seu marido na época.
A propaganda do PSDB fala que Dilma saiu, “pois não agüentou o rojão”. Ledo Engano. Ela deixou o cargo para cuidar da campanha do esposo. O vídeo mostra 4 recortes de jornal da época e as respectivas datas. Notem que, apenas no primeiro recorte, datado de 07 de julho de 1988, Dilma era secretária de finanças. Nos outros 3, matérias de outubro e novembro daquele ano, Dilma já estava na campanha de Carlos Araújo. O engano ao eleitor já começa por aí.

Mas, por que faltou dinheiro na prefeitura de Porto Alegre e o que aconteceu de fato? Esta é a grande questão a ser explicada.
O Brasil e a década de 70
Os anos 70 foram prósperos para a economia brasileira. Acontecia o chamado “milagre econômico brasileiro”, em que o PIB crescia algo em torno de 10% ao ano. As taxas de crescimento do governo Lula já fazem lembrar o “milagre econômico brasileiro”. Não sou eu quem diz, é a Revista Exame (link).
Naquela época, o crédito era barato e abundante. Para fechar as contas, a maioria absoluta das prefeituras brasileiras buscava empréstimos e emitiam títulos públicos para liquidar suas dívidas no final do mês. Não havia problemas, a economia era abundante e os juros, baixos.
A situação começou a mudar com as duas crises do petróleo que assolaram os anos 70. Os países árabes, grandes exportadores do produto, decidiram rever os lucros e o preço do barril saltou de uma hora para outra. Como o petróleo (gasolina e seus derivados) é a matriz energética que move a economia do planeta, em poucos meses, com a subida abrupta no preço do produto, a economia global começou a se desregular. A conseqüência foi o final dos empréstimos baratos. Os juros começaram a subir – e muito.
Sem ter muito que fazer, as prefeituras passaram a se endividar cada vez mais para conseguir honrar seus compromissos. É assim que os municípios brasileiros chegam à primeira eleição democrática em 1985: completamente endividados.
Os anos 80 – A década (econômica) perdida
A situação das prefeituras ficava cada vez mais complicada. Além dos problemas externos da década passada, fatores oriundos dos anos 80 também colaboravam com a crise: a inflação galopante e o aumento cada vez maior da dívida pública nacional. A crise do México em 1982 veio agravar ainda mais as contas públicas.

De acordo com Marco Aurélio Stumpf Gonzáles, autor da Análise do Perfil da Arrecadação Municipal em Porto Alegre, “os governos municipais brasileiros são muito dependentes de recursos oriundos de outros níveis de governo. Por exemplo, considerando o País inteiro, 84,9% dos recursos municipais provinham de transferência”. Porto Alegre, segundo o autor, recebia 44% de seus recursos de fora, contra 35% dos tributos próprios (Link –pg. 13). O restante vinha de endividamento.
Dentre todas as formas de arrecadação municipal, a principal é o Imposto Predial Territorial Urbano, o IPTU. Quando uma prefeitura precisa aumentar seu caixa, aumenta o valor do IPTU cobrado dos munícipes. Muitas cidades-turísticas fazem isso até hoje para conseguir caixa para suas obras.
Além do alto nível de endividamento e da crise mexicana, o Brasil sofria com o problema crônico da hiper inflação. Em 1988 a inflação cresceu 933% ao ano. O país, recém-saído da ditadura, enfrentava uma crise que duraria toda a década de 80. Ao final do governo Collares em Porto Alegre, o Brasil já havia, em poucos anos, passado por 3 programas econômicos fracassados: o Plano Cruzado, o Plano Cruzado II e o Plano Bresser.
Neste último, o Plano Bresser, nome dado devido ao seu autor, o Ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, todos os preços foram congelado por 60 dias para dar um alívio aos cofres públicos. O governo federal também estava endividado. A alta inflação fazia com que a União também não fechasse suas contas no final do mês e era deste caixa, através de repasses, que saia a maior parte das verbas dos municípios brasileiros.
Mas Porto Alegre possuía 35% de recursos próprios, certo? Não é bem assim. A alta da inflação prejudicava diretamente os trabalhadores. Todos os gráficos mostram que é a partir de 1988 que o desemprego começa a ficar preocupante no Brasil. A partir daquele ano os índices de desemprego só cresceram até atingirem seu auge no governo Fernando Henrique Cardoso. Veja este gráfico que mostra o índice na região metropolitana de Porto Alegre, retirado desta pesquisa (link).



Com o trabalho começando a ficar escasso, o primeiro corte que as famílias fizeram foi no pagamento de impostos. A inadimplência era alta também entre os trabalhadores, pois tudo precisava ser comprado em grande quantidade e estocado para fazer frente à hiper inflação. Os caixas das prefeituras, que já estavam “minguados” desde a década passada, levaram o seu “tiro de misericórdia”. Sem dinheiro, os salários dos funcionários públicos começaram a atrasar. Sem salários, as greves explodiram em todo o país.
Nesta reunião em 1984, o jornalista e poeta Mário Quintana discutia uma greve na Assembléia no Sindicato dos Bancários de Porto Alegre:


A combinação ENDIVIDAMENTO + HIPER INFLAÇÃO + ALTA DA INADIMPLÊNCIA + JUROS ALTOS foi decisiva para o atraso dos salários na prefeitura de Porto Alegre em 1988. Não existiam muitas soluções para a secretária Dilma Rousseff na época. O que ela poderia ter feito? Endividado ainda mais a prefeitura? Ter demitido? Ter cortado de outros serviços públicos essenciais?
As prefeituras não conseguiram sair sozinhas daquela situação. Porto Alegre, por exemplo, precisava da ajuda. A situação de endividamento dos Estados não era diferente das prefeituras. Veja esta Tabela retirada deste outro trabalho (link):




Ainda sim, quem acabou pagando o funcionalismo de Porto Alegre no final de 1988 e no início de 1989 – agora com um novo prefeito e nova administração – foi o Estado do Rio Grande do Sul.
Conquistas de Alceu Collares como prefeito
Engana-se quem pensa que o povo gaúcho não entendeu toda aquela situação e resolveu penalizar Alceu Collares. Em 15 de março de 1991, o pedetista tomou posse no Palácio Piratini como governador do Estado. Dilma Rousseff, pela sua atuação frente a graves problemas na prefeitura, não foi esquecida. Em 1993 Dilma tornou-se a primeira mulher secretaria de Minas, Energia e Comunicação do Rio Grande do Sul.
Mesmo com a “turbulência econômica” dos anos 80, Alceu Collares conseguiu imprimir algumas marcas como prefeito:
- foi em Porto Alegre, justamente em 1988, que começa a tomar forma o Orçamento Participativo (link):
- Apesar das greves do funcionalismo, Alceu Collares, já quase no final do mandato de prefeito, conseguiu implantar o plano de carreira do funcionalismo municipal (link);

- Em uma época em que as palavras “ecologia” e “sustentabilidade” ainda não estavam em moda, Collares foi um dos primeiros prefeitos brasileiros a criar uma lei para restringir a emissão de poluentes (link)
Serra se diz economista. Ao aprovar um comercial nestes moldes contra a sua adversária, ou age de má fé pura e simplesmente, ou nunca de fato estudou economia para valer.

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