quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A esgrima tucana 2011-2014

-- Beto Richa, Aécio e Serra em Curitiba (2008) --

por João VillaverdeA eleição de 2010 enterrou o projeto de endireitização do PSDB.

Quando se viu na oposição, a partir de 2003, o PSDB ainda manteve um posicionamento coeso como partido político — entenda-se: um agrupamento de pessoas que compartilha ideias muito próximas e ambiciona tomar o poder do Estado para implementá-las. Com a crise do mensalão, em 2005, e as pesquisas ainda favoráveis à Lula, no início de 2006, o PSDB colocou aquelas ideias num saco, e partiu para o abraço conservador.

Geraldo Alckmin, candidato tucano em 2006, apostou todas as fichas no discurso moralista. “Eu não compactuo com corrupção”, dizia sempre, em meio a outros tantos “vou implementar o choque de gestão”.

Quatro anos depois, continuamos todos esperando uma explicação razoável do que seja o tal “choque de gestão” de Alckmin — algo que nunca ocorreu em São Paulo, onde ele governou entre 2001 e 2006, mas em Minas Gerais, com a equipe de Anastasia, que tocava os programas de Vicente Falconi, contratado por Aécio Neves para reformular a gestão do governo mineiro.

O PSDB perdeu as eleições presidenciais de 2006, como já havia perdido em 2002, mas com um diferencial: a apelação ao moralismo, em 2006.

Quando perdeu em 2002, quando havia, de fato, um choque entre projetos distintos, o PSDB fez uma coisa sensata, mas virou para o lado errado. Mudou o discurso, o que era sensato, uma vez que aquele se saiu derrotado, mas ao invés de olhar para suas ideias de origem – o embasamento social-democrata europeu, muito abraçado pelo PT de Lula, quando no poder – o PSDB resolveu olhar à direita. Mas, diferente do que poderia imaginar o incauto, não se tratou de olhar e pender à uma direita inteligente, mas a uma direita tacanha, que apela aos “bons costumes” da família e a clichês de “o exemplo que vem de cima”.

Quando perdeu em 2006, deveria ter estacionado o barco e refletido sobre o rumo, já que as águas estavam aceleradas em outro sentido. “Fazia sentido continuar adiante daquele jeito?”, deveriam ter se perguntado. Afinal, se o projeto vencedor em 2002 se renovou em 2006 é porque, e não é muito difícil perceber, “alguma coisa tinha”. Se soubesse responder o quê, saberia como derrotá-lo. É assim que funciona em política e é assim que funciona em qualquer relação humana.

Se assim tivesse feito, o PSDB perceberia que a despolitização do debate, promovida por Geraldo Alckmin, não chegaria a lugar algum quatro anos depois. A própria Marina Silva (PV), candidata sensação de 2010, não bateu nesta velha tecla porque sabe que em seu partido também há uma série de buracos e imbróglios. Todos os partidos têm. Vale lembrar que o único governador preso pela Polícia Federal em toda a história nacional foi José Roberto Arruda, que era filiado ao DEM, partido satélite do PSDB.

Além disso, o caso do mensalão, que explodiu em 2005, foi primeiro colocado em prática em Minas Gerais, nos anos 1990, durante o governo de Eduardo Azeredo… filiado ao PSDB. Lá estava o modelo de financiamento de parlamentares para que votassem a favor do governo, com dinheiro sendo bombeado das agências de publicidade de Marcos Valério, que tomava empréstimos em bancos públicos regionais. Tudo, literalmente, que pegou o governo federal do PT em 2005.

Por que, então, alguém, em sã consciência, bateria na tecla da ética e bons costumes em 2006, um ano depois de toda a exposição do lamaçal, que atingia igualmente todos os partidos?

Eu não sei.

Não contente com a derrota em 2006, o PSDB entrou de cabeça e alma no moralismo em 2010. Foi uma aposta errada, e essa bola já tinha sido cantada muito antes da campanha eleitoral esquentar, quando escrevi “Sobre o futuro do PSDB“. O candidato tucano de 2010, o mesmo de 2002, José Serra, trouxe a família, o aborto e beijou imagens de santas em missas ao longo da campanha. Tudo isso carregando uma figura da pior estirpe – seu vice, Índio da Costa (DEM).

No dia seguinte às eleições, na segunda-feira, fiz uma breve análise, afirmando que o jogo, para o PSDB, está em revigorar seu passado – que começou com as articulações de FHC no apagar de luzes do governo Collor, em 1992, e acabou em 2005 — e apontar para o futuro, que está em figuras como Aécio Neves, ex-governador de Minas (2003-2010) e senador da República, e em Beto Richa, bem-avaliado prefeito de Curitiba que se elegeu governador do Paraná no primeiro turno.

Na longa entrevista de Maria Cristina Frias e Vinícius Mota, da Folha, com Fernando Henrique, publicada na edição de terça-feira do jornal, a primeira bola foi levantada. Ao dizer que não endossa um PSDB que o renega, FHC lança as bases para os futuros cardeais do partido. Nas entrelinhas, diz o seguinte: “O negócio não está em uma luta fraticida interna, como a que ocorreu entre Alckmin e Serra, em 2006, nem na individualização total da campanha, como vimos em 2010. É preciso olhar para o passado se você quiser perseverar”.

Uma das respostas de FHC é uma bela sacada, que serve não só ao PSDB, mas também ao PT e qualquer outro partido que já foi ou quer ser hegemônico, como o PSB. Cá está:

A dose dos chamados marqueteiros nas campanhas tucanas está exagerada?

Sim, em todas as campanhas. Nós entramos num marquetismo perigoso, que despolitiza. Hoje a campanha faz pesquisas e vê o que a população quer naquele momento. A população sempre quer educação, saúde e segurança, e então você organiza tudo em termos de educação, saúde e segurança. Sem perceber que a verdadeira questão é como você transforma em problema uma coisa que a população não percebeu ainda como problema. Liderar é isso. Aí você abre um caminho. A pesquisa é útil não para você repetir o que ela disse, mas para você tentar influenciar no comportamento, a partir de seus valores. Suponha uma pesquisa sobre privatização em que a maioria é contra. A posição do líder político é tentar convencer a população [do contrário]. O que nós temos na campanha é a reafirmação dos clichês colhidos nas pesquisas. Onde é que está a liderança política, que é justamente você propor valor novo? O líder muda, não segue.

*

A endireitização do PSDB acabou em 2010. Resta agora saber se o consenso entre os diferentes grupos e correntes, como desenhei em agosto, ocorrerá de maneira suave ou na marra.

Mas podem apostar que esses movimentos já começaram.


Fonte: Amálgama

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