segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O perigo (ou o verdadeiro mal) a evitar

por Rafael Rodrigues * – Nestas eleições procurei ler o máximo possível de matérias e artigos sobre os principais candidatos. Agora, no segundo turno, os escritos se concentraram em Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB). É lógico que, se o texto foi publicado pelo Estado de São Paulo, que declarou apoio a José Serra, ele merece ser lido com atenção redobrada, ainda mais se o autor do texto não atender pelo nome de Dora Kramer. Porque ela ataca o governo Lula e a candidata Dilma sem disfarçar, sem deixar escapar a raiva que tem do governo vigente. Já se for um outro repórter, em matéria aparentemente “imparcial”, todo cuidado é pouco.

Da mesma forma que não se pode confiar cegamente em matérias veiculadas pela Carta Capital, que declarou apoio à candidata do PT. A diferença é que, nas matérias veiculadas por veiculos de esquerda – a partir daqui não me refiro somente à Carta Capital -, não há tanto ódio derramado em páginas impressas ou pixels na tela. São matérias mais comparativas entre os governos Lula e FHC, e entre os métodos de administração do PT e do PSDB. Mas comparações também são passíveis de manipulações, ou omissões, e é sempre preciso conhecer outras versões do mesmo fato, para só então tirarmos alguma conclusão.

Como decidi apoiar o PT neste segundo turno – mais por não querer ver o PSDB novamente no governo do que por outra coisa -, é perfeitamente normal que eu divulgue matérias e links pró-Dilma. O mesmo acontecendo com pessoas que apoiam a candidatura de José Serra. E nisso não há pecado algum. O problema está em não ver o outro lado, em acreditar cegamente no que diz a imprensa “serrista” e em ajudar a espalhar mentiras criadas por militantes do PSDB.

Dois casos recentes servem de exemplo: o da bolinha de papel, que, segundo Indio da Costa, candidato à vice-presidência pelo PSDB, era um objeto de pelo menos 2 kilos; e o do apoio declarado a José Serra por Marina Silva.

Imagens das redes de televisão SBT e Record provaram que apenas uma bolinha de papel, e não um objeto pesado, atingiu José Serra. Além disso, apenas um objeto o atingiu, e não dois, como a Globo tentou provar e muita gente acredita até hoje nessa versão. Sem contar que, em um dos vídeos realizados no momento da suposta agressão, vê-se claramente que o “agressor” pode ter sido uma pessoa do próprio PSDB.

O outro caso, o do suposto apoio de Marina Silva ao candidato tucano, não necessita de maiores explicações: foi desmentido pela própria ex-candidata.

Essas duas situações mostram o método psdbista de fazer campanha, que é o de produzir factóides e mentiras, para tentar ludibriar a população, os indecidos ou aqueles que estão suscetíveis à mudança de voto na última hora. Isso para não falar de um outro fato espantoso: o de Serra e Aécio Neves (também do PSDB, senador eleito de Minas Gerais) terem mandado produzir dossiês um contra o outro, em 2008. A imprensa “serrista” tentou – e ainda tenta – colocar a culpa desses dossiês nas costas do PT. Felizmente, ficou provado que essa foi mais uma armação dos tucanos.

Mas de tudo o que eu vi e li nestas eleições, uma matéria da Folha de São Paulo ficou entre as que mais me chamou a atenção. Foi uma entrevista com Francisco de Oliveira, sociólogo de 76 anos que participou da fundação do PT mas que rompeu com o partido em 2003.

A intenção da matéria foi o de mostrar que o governo Lula foi mais privatista que o de FHC, ou pelo menos o foi na mesma medida. Isso por si só já é um devaneio e só acredita nele quem realmente quer, quem realmente ignora a verdade dos fatos. Mas essa matéria acabou denunciando – ou documentando – uma outra verdade que os tucanos não querem admitir e não vão admitir nunca: a de que há, entre os psdbistas, muitas pessoas preconceituosas e elitistas.

Existem pessoas assim também entre os petistas? Deve existir. Mas talvez – na verdade, eu tenho certeza disso, mas vamos em frente – esse grupo é uma minoria tão irrisória que é insignificante. Além de que essa parcela não deve sequer declarar seu voto, para não ficar com a imagem arranhada perante seus amigos ou parceiros comerciais psdbistas. Já entre os tucanos, pessoas com ideias elitistas e preconceituosas são maioria, ao menos foi essa a impressão que tive nesta eleição.

Mas o que diz o sociólogo Francisco de Oliveira? Vamos à declaração (grifos meus):

Os governos tucanos têm horror ao povo. Isso não é força de expressão. É uma questão de classe social.

Eles não têm contato com o real cotidiano popular. Eles não andam de ônibus, não têm experiência do cotidiano da cidade. Nem de metrô eles andam, o que é incrível.

A cidade é grande, tem violência, a gente sabe. Mas eles não sabem como é o transporte, como são os hospitais, as escolas públicas. Há uma fratura real, eles perderam a experiência do cotidiano real. E isso não entra pelas estatísticas, só pela experiência.

Por causa disso, o governo deles é sempre uma coisa muito por cima. Eles são pouco à vontade com o popular. Essa é a diferença marcante em relação a Lula.

O sociólogo finaliza a resposta com um “Sobre Dilma eu não sei. Ela pode também sofrer desse mal”. Ele não poderia dizer, para a Folha, que Dilma não sofre desse mal. Por isso coloca em dúvida. Já sobre José Serra, não há dúvidas: ele também sofre desse mal.

Na última pergunta, o sociólogo crava uma resposta que chega a ser temerária (grifos meus):

Mas, do ponto de vista da evolução e da função dos movimentos sociais, qual dos dois é preferível?

Eis uma questão difícil. Os tucanos, com esse horror a pobre, tendem sempre a aumentar essa fratura, essa separação. Os tucanos não têm jeito

Este é o verdadeiro mal a evitar, o perigo a evitar. O de que nosso país volte a ser governado para uma pequena parcela de brasileiros abastados. Há quase oito anos Luis Inácio Lula da Silva assumiu o governo federal e uma de suas promessas foi a de governar para o povo mais necessitado, sem deixar de lado, é lógico, o crescimento do país. Lula cumpriu o que prometeu e, apesar de muita gente não gostar, tirou milhões de pessoas da pobreza e fez com que outros milhões melhorassem de vida.

O problema dos tucanos é que eles não querem dividir o mesmo restaurante refinado com a família classe média que agora pode frequentá-lo uma ou duas vezes por mês. Eles não querem dividir o mesmo avião com o nordestino que hoje tem condições de visitar os parentes que moram em São Paulo, ou com o nordestino que foi morar em São Paulo e hoje pode visitar os parentes do Nordeste pelo menos uma vez por mês ou a cada dois meses.

Infelizmente esse é um problema que não será resolvido tão cedo. Mas não podemos deixar que as coisas voltem ao que eram. Os tucanos precisam se acostumar com a ideia de que as riquezas deste país não são para poucos. Todos nós somos brasileiros e temos os mesmos direitos e deveres. Todos nós merecemos ter uma vida digna. Não precisa ser uma vida cheia de luxos, como a que muitos tucanos levam. Basta ser digna. Lula deu isso ao povo e Dilma vai continuar esse processo. Ele não pode parar. A luta foi grande até aqui, não é hora de voltar para trás.

* Rafael Rodrigues é editor-assistente do Digestivo Cultural. Blog: entretantos.com.br.


Fonte: Amálgama

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