segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Por que Serra perdeu?

-- José Serra no discurso pós-derrota --

por André Egg * – Basicamente porque estava no lugar errado, na hora errada.

Nunca votei em José Serra, mas considero que ele foi um grande quadro político existido no Brasil. Note que uso verbos no passado, porque a carreira dele já acabou. Ou será que vai se candidatar a prefeito de São Paulo em 2012? Veremos.

Um grande quadro político, eu dizia. Economista heterodoxo, surgido dos movimentos políticos do catolicismo de esquerda nos anos 1960. Criou fama de gestor competente, primeiro como secretário do Governo Franco Montoro em São Paulo (1983-1986). Foi um parlamentar importante na Constituinte. Foi ministro no governo FHC, primeiro do Planejamento, depois da Saúde – onde suas idéias desenvolvimentistas incomodavam menos o monetarismo e o liberalismo reinantes num governo dominado pelo ideário da PUC-RJ.

Quando saiu candidato a presidente em 2002, o cenário estava mais ou menos assim: desemprego e inflação em alta, um cenário de paralisação econômica do qual a crise do setor elétrico (“apagão”) era o maior sintoma. Dívida, déficit comercial, déficit fiscal, inflação – a macroeconomia legada por FHC estava em frangalhos. O Brasil tinha sido socorrido diversas vezes pelo FMI.

José Serra era o nome certo no PSDB para a sucessão, depois que Ciro Gomes tinha abandonado a nau do partido, ainda antes da reeleição de FHC. Serra tinha sido um crítico interno do governo FHC, como a maioria dos peessedebistas históricos (os que não saíram do partido). Logo de início dava mostras de que seu rumo estava à esquerda do governo que pretendia suceder. Por exemplo, ao recusar um protagonismo do PFL em sua chapa: depois de 8 anos de FHC/Marco Maciel, com amplos poderes no governo para gente como ACM e Bornhausen, Serra vinha com Rita Camata (PMDB-ES) de vice. Tinha usado a PF para abortar o vôo próprio de Roseana Sarney, e sinalizava que saberia compor um governo capaz de retomar um ciclo de crescimento e superar a estagnação dos anos 1980/1990.

Enquanto isso, do outro lado da disputa que se avizinhava, Lula parecia derrotado. Depois de quatro candidaturas mal-sucedidas, ameaçava não sair candidato se o PT não construísse um amplo arco de alianças. Conseguir tornar essa tese vitoriosa nas instâncias do partido foi uma batalha duríssima, conduzida pela tropa de choque de José Dirceu, um cara disposto a qualquer coisa para ver, afinal, o “Lula lá”. A disputa interna incluiu, pela primeira vez, prévias para a escolha do candidato, com Lula enfrentando Eduardo Suplicy (Senador por São Paulo) e Edmilson Bentes (prefeito de Belém-PA). Candidatos mais fortes, capazes de articular uma alternativa real, como Tarso Genro e Cristóvam Buarque resolveram só disputar caso Lula desistisse, o que não aconteceu.

Vencendo a batalha interna para conseguir lançar-se candidato, faltava a Lula mais uma coisa: vencer a imagem do sindicalista barbudo e radical, que amedrontava o empresariado, setores da classe média e os pobres não organizados. Para compor a figura do “lulinha paz-e-amor”, lançou-se mão da contratação do publicitário Duda Mendonça, e da montagem de uma chapa com o empresário José Alencar (PL-MG).

Numa eleição com quatro candidatos de oposição a FHC (além de Lula e Serra, Garotinho e Ciro Gomes), venceu o que conseguiu mostrar-se mais solidamente como alternativa a um governo muito mal avaliado, sem apresentar-se como risco de ruptura do que havia de positivo numa ordem institucional duramente construída durante a redemocratização. Para usar a linguagem da Revista Veja – o PT tinha “domado seus radicais”.

A derrota de Serra se desenhou ali.

E você deve estar estranhando eu falar isso tudo porque afinal, o assunto não é a derrota de Serra em 2002, mas a derrota de Serra nas eleições que acabaram agora, as de 2010.

Mas é que foi tudo a mesma coisa. Uma vez que o PT conseguiu estabelecer-se como líder de uma coalizão de centro-esquerda capaz de governar o país e recolocá-lo nos trilhos do desenvolvimento com democracia e políticas sociais efetivas, sobrou que espaço para José Serra?

A derrota para um PT centro-esquerdista empurrou Serra e o PSDB para a direita. Isso começou a ficar claro ainda em 2002, quando Serra começou o discurso religioso rasteiro, a tática do medo (Regina Duarte, lembram?), os ataques pessoais mentirosos (na ocasião contra Ciro Gomes – a chamada “desconstrução” do candidato).

Dali pra frente Serra nunca conseguiu romper a camisa-de-força que o PT lhe impôs, obrigando-se a assumir o desconfortável figurino de prócer do atraso e do que havia de mais rasteiro em política. Assim derrotou Marta Suplicy para a prefeitura de São Paulo em 2004, com um vice do DEM. Assim lançou-se para governador em 2006, jogando Alckmin aos leões de uma derrota na eleição presidencial.

Em 2009 Serra vivia um dilema: candidatar-se à reeleição para o governo de São Paulo era mais seguro. Por outro lado, deixar Aécio ser o candidato tucano a presidente poderia significar a perda total de liderança nacional que Serra ainda era capaz de exercer no PSDB. Não havia uma saída fácil, afinal Serra sabia que as pesquisas que o apontavam em primeiro, com cerca de 40% dos votos, eram efêmeras – o governo Lula era muito bem avaliado, e já tinha candidata (Dilma) apesar de pouco conhecida.

Aécio tentou primeiro as prévias do PSDB, logo recusadas por Serra. Depois desistiu da pré-candidatura, antes que Serra estivesse seguro de confirmar a sua.

A partir daí, tudo foi um festival de erros, uma campanha fraca, e um caminho seguro para a derrota. Serra não teria sequer chegado ao segundo turno, não fosse o desempenho espetacular de Marina Silva.

O que ele podia ter feito, não fez: mostrar-se como um crítico ameno do governo, propondo uma continuidade com mudanças. Que tipo de mudanças? Redução dos juros, aumento do investimento público em infraestrutura, política industrial, aumento dos investimentos em educação. Tudo isso esteve marginalmente no discurso político de José Serra nesta campanha, nas poucas vezes em que ele se deu ao trabalho de empunhar algum.

Mas nada disso poderia ser crível para alguém que não tinha feito nada parecido nem como prefeito nem como governador, e que não tinha conseguido aglutinar forças políticas progressistas para sustentar tal programa. Novamente, Serra preferiu ligar-se aos interesses religiosos escusos, às baixarias de campanha, ao uso de vozes apócrifas, a um apoio da imprensa de esgoto (revista Veja à frente). Preferiu um Índio da Costa de vice, que chegou a tentar substituir logo na noite de 3 outubro.

A diminuição das bancadas de PSDB, DEM e PPS foi um sintoma de quão derrotada foi a campanha de Serra. Ainda mais porque esta diminuição não foi acompanhada de um crescimento vigoroso do PT nem do PMDB, como se esperava. Sequer o PV, que teve 20% dos votos para presidente, conseguir chegar a 10% do congresso com sua bancadinha mequetrefe.

Quem ocupou os espaços deixados pelo PSDB barata-tonta? O que havia de pior no lulismo: PR e PSC tornaram-se do mesmo tamanho do DEM no Congresso, na esteira de votações de candidatos como Garotinho (PR-RJ), Tiririca (PSC-SP) ou Ratinho Jr (PSC-PR).

Se o PT não foi tão vitorioso quanto se esperava, nem seu aliado principal – o PMDB, porque o PSDB não conseguiu sair das urnas pelo menos como uma grande alternativa de centro para se apresentar como uma oposição consistente? Incompetência política, falta de discurso, falta de visão estratégica. E José Serra é o principal responsável.

Esperemos que essa derrota fragorosa signifique a aposentadoria do “grande quadro” do partido, que o foi sem nunca chegar a sê-lo. E que o PSDB seja capaz de se recompor para liderar alguma coisa parecida com uma oposição séria no Brasil de Dilma.

Porque, mesmo não votando no PSDB, continuo achando que ele é o segundo melhor partido político do Brasil, anos-luz à frente das demais agremiações, que são pouco mais que legendas de aluguel, sem qualquer viabilidade de liderança de um projeto digno de país. Um cenário em o PT que não tenha o espectro de um PSDB forte nos seus calcanhares pode sim ser um perigo para o futuro da nossa democracia. E não custa lembrar que o PT ganhou em 2002 porque passou 8 anos fazendo duríssima (mas responsável) oposição a FHC, mesmo que isso significasse ser derrotado nas eleições de 1994 e 1998. Está na hora de os tucanos aprenderem a lição.



Fonte: Amálgama

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